17 de maio de 2013

Manuela


Nasce um bebê, nasce um mundo novo, uma família nova, nasce um pai, uma mãe, nascem avós e as titias ficam mais titias, cada qual mais coruja que a outra. É um assombro te pegar no colo, ver no seu rosto um quê de tuas priminhas, um quê de sua mãezinha e até de seu pai que nem conheci pequeno! Quando vem um bebezinho assim que nem você, uma menina vira uma mãe capaz, segura, tão linda. Um rapaz vira um pai presente e brincalhão.  E nós ficamos tão, tão felizes.

 Que delícia visitar você e dividir um pouco do ninho de passarinho que fizeram para você, tão quentinho, tão lindo! E que maravilha que teu quintal é enorme, cheio de amigos, logo ali, um solzinho de tarde na geologia, um laboratório limpinho para dormir tranquila. Sua mãe não poderia ser mais maravilhosa nem mais cuidadosa. Também generosa, porque divide você com a gente, sabendo já que os filhos são do mundo.

O povo de Minas te espera chegar, teus primos esperam você crescer para brincar e a gente queria que o tempo parasse um pouquinho para termos mais tempo de ficar pertinho desse seu jeito de bichinho que começa a se comunicar e a sorrir – tão precoce você Manuela! Titia está apaixonada! Beijos!

2 de fevereiro de 2013

A Casa de Meus Pais


A casa dos meus pais é a casa do meu pai e da minha mãe. Uma casa eterna, ainda que mude de endereço. A casa para a qual retorno, invariavelmente. Tive mais surpresas da vida do que poderia supor, descobri coisas horríveis e maravilhosas sobre mim, sobre outros, sobre o mundo, isso antes ninguém me contou, mas ninguém poderia. Outro jeito, não teria saído da casa de meus pais, para a qual inevitavelmente retorno.

Hoje, valorizo a volta, circular e constante: encontrar as coisas mais ou menos do jeito que sempre foram outrora, os objetos na parede, seguro, garantido pelo cuidado. Os quadros de minha tia, os retratos e peças de meus avós. Eles morreram, mas continuam: em mim, nos objetos que se fazem tão presentes, desde sempre. As mudanças me incomodam, meu pai a envelhecer, minha mãe adoecendo-vivendo, suportando-sorrindo, mas até a isso me acostumei. E no final, a casa ainda é a dos meus pais, com nossas viagens, nossa vida estampada, visível. Ainda abro o armário e posso ter um grande encontro com um objeto que só a mim tem significado. Ouço a voz de minha mãe, choro por dentro de saudades. Ela balbucia: Soraia, Morena, Alice. Devagar. Um presente tão especial. Que falta faz uma sábia e linda mãe falante nessa vida. Penso na bolsa que ganhei de minha sogra, adorei. Minha mãe não pode mais me dar presentes que me agradem tanto. Abraço. Lágrimas.

A casa pode um dia não mais existir, mas existe ainda. Fazemos as mesmas atividades, compromissos de final de semana de minha infância, meu pai e eu, agora minha filha junto. O supermercado, o açougueiro, o marceneiro e o vidraceiro. Como se a vida ainda estivesse por acontecer. Como se eu fosse uma menina. Por isso, ficar na casa de meus pais me dá a esperança de que tudo possa de certa forma recomeçar. E por ter a casa de meus pais, sei que é um fato verdadeiro. Assim, pela lógica da razão pura da filosofia de idos, idos tempos de graduação.

Há conexões disponíveis, carinhos embutidos, novas pessoas agregaram-se à caminhada, enfermeiras e empregadas. Posso dar-lhes presentes, por cuidarem de minha mãe. Felicitamo-nos todos. Sou mais velha, a filha, a neta.  Assim que é certo: posso até dar pequenos palpites – como cuidar dos cristais de minha mãe, relembrar por ela o que gostava de comer um dia, prometer voltar com a sacola cheia, comprar cadeira mais confortável para quem se dispuser a estar a seu lado, pagar a conta do supermercado - escondido, é claro.

Adoro estar aqui, é certo. E que o mundo me puna, se um dia disse que não gostava, errei. Aqui não existe abandono, egoísmo, disputas vis, nem por mim, nem para minhas filhas. É um oásis em um mundo de interesses, de quem quer meu sangue, meu sexo, minha dor para ser comida em pedaços e fazer meu trabalho suado do dia-a-dia não valer nada. Aqui, valoriza-se minha luta, a pessoa que sou, a pessoa que tenta, ainda que imperfeita, eternamente imperfeita. Sendo. Aqui eu caibo, com minhas filhas, meus cachorros abandonados, meus mendigos, meus meninos de rua, meus alunos esforçados, minhas crianças todas, meus educadores desesperançados, meu marido que conheci doce e humilde uma noite.

Um cinema positivo, sou parte dele, e entendo o assaltante, incompreensível eu sou. Tamborilo os dedos, tem música da minha infância. Celebro, meus pais mudam de casa, acompanho os passos, mas a casa é sempre a mesma, a casa dos meus pais. Meu pai, como sempre, trabalha que nem gente grande, ainda que devesse só descansar. Meu exemplo incansável, minha força motriz. Que bom poder estar aqui. Que bom poder voltar, que bom poder trazer a mim e as meninas, mostrar a bondade estampada de meu pai, a honestidade e elegância de minha mãe, são apenas resquícios do que foram outrora, mas são ainda, tão firmes, tão certos.

Eu escuto de longe: “Quem é a minha menina querida?” assim pergunta meu pai. Penso que fosse eu, mas é minha mãe. A Alice responde: “Sou eu, meu vô”. Marota, querida, esperta, minha fi-fi. Ela sabe que é minha mãe, ela sabe que sempre foi. Isso é tão importante para ela. Do alto de seus dois anos, já se orgulha dos avós. Sorrio com a beleza de tudo. 

Sei não ser o meu destino, esse que ainda venho buscando-encontrando-perdendo-achando. Tinha vontade de ficar aqui para sempre. Ainda que tenha a triste consciência de que este para sempre seria impossível de existir, apenas porque somos todos pó de estrelas no universo, prestes à dissolução.

Salve o arroz e a sua brancura, espuma de mar diluída, leveza do universo.