17 de dezembro de 2009

Personagens fantásticos, música, dança e criança


* publicado no Livro Brincar, Um Baú de Possibilidades, 2009 / Org. Renata Meirelles e Soraia Chung Saura



foto Morena

“Admira primeiro, depois compreenderás”.
(Bachelard, A Poética do Devaneio)

“Boi, boi, boi, boi da cara preta”, cantarolava baixo no portão de minha casa, fitando atenta o boi, que por sua vez me fitava também, enigmático. Cantando e olhando, calculava a distância entre o boi e o portão. E do portão, quanto para chegar ao asfalto. Dô sempre alertava:
“Boi corre atrás de menina vestida de vermelho”.
E lá estava eu: pronta para ir à escola, tendo que cruzar o pasto para chegar ao asfalto, inteira de vestido vermelho, um boi no meio.
Dô me contava sim muitas histórias passíveis de dúvida, cozinheira carinhosa. Mas desde que a vi caminhar descalça sobre um tapete de brasas incandescentes, reafirmando sua fé por São João e Jesus, nunca mais duvidei de nada do que dizia.
Voltava para dentro de casa e me queixava do boi na estrada, mas minha mãe, bem mais pragmática, alertava para o atraso na aula.
“Bobagem”, dizia.
Entre Dô e minha mãe, entre o portão e a rua, entre o pasto e o asfalto, entre o boi e o vestido vermelho, enchendo o peito de coragem e debandando em carreira, me vi a salvo alguns metros depois, suando frio. Tornei a olhar o boi: ainda me encarava, ruminando parado no mesmo lugar, os,chifres eram enormes e assustadores.
De onde vem essa memória humana que nos faz sentir fascínio e medo pelo bicho boi? Quantos infinitos folguedos e festas há no mundo que fazem menção a esse animal? Por que os homens insistem, em todos os cantos do planeta, em brincar com esse bicho, quer seja ele boi manso dançante ou touro bravo esturrante?
Menina saltitante na festa
Se podemos afirmar que as festas das culturas tradicionais possuem uma função no mundo, a principal deve ser a de realizarmos todos, coletivamente, esse exercício mítico de nos aventurarmos em universos ancestrais, revivendo questões desafiadoras para a humanidade, latentes em todos nós: o bicho, a fera, a vida, a morte, a angústia diante do tempo que se esvai implacável, por meio do prazer na dança e na música. Nesse exercício de se paramentar, enfeitar, dançar, tocar, reviver e religar, não há quem não se encante, quem não se poste seduzido em fascínio. Isso acontece com todos os que participam dos festejos. Quem participa assistindo e quem participa fazendo, vale lembrar que participantes somos todos. Encantamento, porque as manifestações estão recheadas de sentidos, estes inenarráveis, mágicos e maravilhosos. Assim, estar criança no meio de um folguedo colorido e barulhento, repleto de máscaras, sons e cores, tendo um bicho Boi brilhante, dançante e com chifres reais, é aventura de viver em um mundo mitológico e de encantarias.
Enquanto adultos em uma dessas festas, rodamos por horas a fio, personagens imbuídos de vivência corporal plena, realizando o exercício ancestral de representar arquétipos e recriá-los à nossa imagem e semelhança, tal como deuses festivos. Mas eis que no meio desse delírio, vislumbramos bebês pequenos dormindo tranqüilos em meio à zoada de matracas, maracas, onças e pandeirões , no balanço de braços amigos. A segurança do ritmo embala esse sono, são os sons de tambores ancestrais. Parece incrível, mas dormem tranqüilos enquanto Amo e Batalhão entoam toadas “tiradas no ar”, fazendo a “terra tremer”, o nosso “batalhão de peso” .
Enquanto rodamos saltitantes, todos temos cuidado no tropeço dos seres pequenos, miniaturas do mundo, “devaneio dos que nasceram sonhadores” (Bachelard, 1988: 453), zanzando entre nossas pernas. Aprendem a andar balouçantes. Invariavelmente estão tentando ver o que é exatamente que existe dentro do boneco do Boi, conhecer seu Miolo. Estão em passos vacilantes entre fitas e penas, a desvendar os mistérios dos Caboclos de Pena, impressionados com a magnitude deste que não podemos ver os olhos. Carinho na Burrinha, montaria florida e simpática. Admiram as Índias, belas mulheres formosas, macias de penas, maravilhosamente bonitas. Mantêm distância segura dos Cazumbás imensos, que os apavoram. Desconfiam de Pais Franciscos e Catirinas, mascarados, barulhentos, debochados.
E as crianças estupefadas já nem sabem quem admiram e quem imitam. Ensaiam pequenos toques de instrumentos, livres que estão para experimentar. Aprendem porque participam de todas as atividades, olhos, ouvidos e bocas, cercados de gestos amorosos, divertem-se simplesmente entre muitas cores. São suas primeiras relações humanas, fora do espaço familiar, envolvidas em “um ritmo afetuoso e cúmplice do mundo cotidiano”. (Gusdorf, 2002: 69).
Todos que tiveram a oportunidade de vivenciar essa infância têm uma história para contar. Isabel Carvalho me diz que o que a fascinava em especial quando criança eram as fitas de cetim dos chapéus dos Vaqueiros: todas coloridas e muitas com desenhos encantadores. Ia para a Festa menina saltitante, esfuziante com uma pequena tesoura, e, na distração dos Vaqueiros bailantes, zás!, cortava pedaços dessas fitas coloridas, tesouros bordados que levava em surdina para casa. Assim decorava suas bonecas, suas casinhas, seus altares. As crianças chegam desse modo na brincadeira, às vezes andando seguras nas mãos de seus pais, tios, padrinhos e madrinhas. Às vezes chegam no colo. Nas pequenas comunidades podem freqüentar a brincadeira por conta própria. E assim permanecem entre os grandes, em um lugar comum onde ninguém se queixa de suas presenças. Atesto o valor desses espaços que podemos freqüentar juntos, espaços cada vez mais raros em sociedades separatistas e individualizadas, onde cada um tem o seu lugar: esse, ao contrário, é onde todos convivem juntos. Crianças encaradas como o que são: parte do mundo e de nossa existência.

Em cortejo, as festas chegam às escolas
Afora isso, manifestações das culturas tradicionais estão cada vez mais valorizadas atualmente. São reconhecidas e adentram o território escolar. Muito me encanta que um saber que aconteça no espaço da rua, conduzido por mestres de origem humilde, seja finalmente reconhecido nas instituições escolares. Que as nossas belas e simples danças estejam presentes nas festas juninas, ao lado das tradicionais quadrilhas do interior. No entanto, no espaço entre a beleza dessas manifestações dentro da escola e a efetiva valorização e compreensão das mesmas há mais do que um passo. Isso porque, felizmente, elas não surgiram para serem ensaiadas e apresentadas. Apareceram entre os homens para serem vividas.
Uma vivência sem palavras, que imbui a todos de valores, “valores novos, na verdade antigos, porém novos para seus olhos”. (Tião Carvalho ). Valores que passam pela celebração e por tudo que a envolve: a preparação dela e a nossa. O fazer coletivo, o silêncio, o respeito aos mais velhos, porque mais experientes. O respeito aos limites do outro. Que se processa no corpo e no prazer, que afirma na experiência que todos podem participar, independentemente de possuírem corpos perfeitos ou técnicas avançadas.
“Não ensino. Faço junto.”
Um saber que mora na simplicidade: para quem julga “complicado” aprender a tocar e dançar, já aviso: as danças populares são extensões dos nossos passos cotidianos, sem nenhum complicador. Os toques dos instrumentos, também eles, passíveis de serem apreendidos. Seria mais simples deixarmos essa simplicidade aflorar, cantando e dançando juntos, natural e constantemente. “Como você ensina?”, pergunto a Tião Carvalho, esse mestre do saber popular que já formou crianças, artistas, músicos, professores e pesquisadores. “Não ensino”, responde. “Faço junto.”
Conduzidas por quem as deixe assim viver essa experiência, as crianças se organizam, interna e externamente – as rodas se formam e se desfazem ao natural, formando coreografias agradáveis, bonitas como a vida, imperfeitas como o mundo. Reproduzem no chão o movimento das constelações dos céus – nem sempre ordenadas, mas sempre fantásticas, repletas de significados e de religação com a ancestralidade e a humanidade. Assim, as apresentações nas Festas Juninas não seriam um fim, mas a conseqüência de um processo.
Mas, em um mundo de produtos e resultados, os folguedos se configuram ainda como um fim, e a vivência e a experiência que promovem – ou seja, a produção de sentido – são relegadas a um último plano. Perdemos o essencial. Esse essencial indizível, que mora no lugar das não-palavras. O saber popular está no gesto, no olhar e no fazer, nunca na palavra. A possibilidade de vivermos como mulheres de outros tempos girando nossas saias. Ou de sermos eximínios tocadores, ou personagens fantásticos, vindos do fundo da mata e da floresta. Que seja. De qualquer modo, sujeitos do encantamento e não da técnica, apenas nos divertindo neste exercício aparentemente ingênuo, nos tornamos mais conscientes dos limites da nossa alma e do nosso corpo.
Compreendemos em profundidade nossos medos, nossas angústias, nosso viver coletivo. Reconhecemos a importância do outro, do mais velho, da criança. Tudo isso não no discurso, mas na experiência. Onde valorizamos e celebramos a nossa humanidade. Onde, de fato, nos tornamos seres humanos melhores. E não seria justamente esse o papel da educação?
Inserir uma manifestação tradicional na escola requer tato e sensibilidade. Ela deve ser convidada a entrar no território escolar com profundidade. Sem modismos. Por que foi mesmo que deixamos de cantar “Cai, cai balão, aqui na minha mão”, ou “Boi, boi, boi da cara preta” ou ainda o tão conhecido “Atirei o pau no gato?” Desconsideramos o repertório cultural por trás dessas canções, desconsideramos nosso próprio repertório infantil. Afinal, alguém conhece quem tenha soltado balão ou atirado o pau no gato por conta das músicas? Será que extinguimos aquilo com que não sabemos lidar? E quando extinguimos um repertório próprio, o que colocamos no lugar? Os sentimentos das crianças pequenas – por exemplo, o medo – deve ser exterminado ou vivenciado em histórias, músicas e personagens das culturas tradicionais brasileiras? Não seria este um dos grandes ganhos da educação aliada às culturas populares?
Surte efeito a convocação de mestres que transitam com facilidade entre o antigo e o moderno, capazes de revitalizar a tradição e inseri-la, com significado, em um contexto urbano. Dêem-lhes apenas o essencial: tempo e espaço para que possam operar em nossas crianças a produção de sentido que operam em suas comunidades. A longo prazo, vivenciam-se dramas humanos que auxiliam a estruturação de uma vida inteira. A memória ancestral pulsa latente, mesmo que não nos lembremos de vivenciá-la.

Chifres reluzentes e reais
Morena, criança bem pequena, nunca teve medo do boneco boi. Muito pelo contrário, tinha uma incansável vontade de vê-lo de novo e de novo. “Cadê boizinho?”, perguntava chorosa. “Dorme, boizinho dorme”, respondia sua mãe cansada. “Vamos ver ele dormir?”, insistia. “Vamos, vamos, respondia por fim a mãe.” E íamos bater no quartinho escuro ao qual temos acesso, onde o boneco gigante dorme coberto, em frente ao altar e junto com todas as indumentárias, caladas e sem farfalhar. “Dorme, boizinho dorme.” Carinho no boizinho, cuidado para não acordar o boizinho. Os tempos se misturam confusos, porque afetivos. Não sei ao certo dizer quando a pequena criatura se deu conta de que o nosso Boi não era real, era boneco. Mas que seus chifres eram de “Boi de verdade”. Sua relação com o bicho então mudou, teve medo, muito medo. Custava a se aproximar desse que tinha chifres de bicho. Eu dizia: “Mas é o boizinho”! Ela respondia: “Não, não, não quero passar a mão, tem chifres de verdade”. Mais crescida, essa criança, cheia de si, debochava um pouco do bicho: “Que é isso, mãe, ficar cuidando de bicho de madeira!” Eu respondia: “Não coloca ele no chão, não, menina, você sabe que não pode”. Mais tarde, no mesmo dia e no meio da festa, aparece correndo aos prantos abraçando minha cintura: “Ele correu atrás de mim, mãe, ele ia me chifrar!” “Não ia. não, filha, você conhece o Miolo, tudo e todos desta festa.” “Não, mãe, ele hoje está bravo, é dia da morte, fui fazer carinho nele e ele me deu uma carreira, ia me chifrar, ia me chifrar.”
Esconde o rosto molhado na minha saia e chora. Olho para a frente e vejo o boi, parado no meio da festa com chifres reluzentes e reais, grandes e de Boi de verdade.

Referência Bibliográfica:
- BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes. 1988.
- FERREIRA SANTOS, Marcos. Crepusculário. São Paulo: editora Zouk. 2004.
- GUSDORF, Georges. Professores para quê? São Paulo: Martins Fontes. 2003.
- SAURA, Soraia Chung. Planeta de Boieiros: culturas populares e educação de sensibilidade no imaginário do Bumba-meu-boi. Tese de doutorado em Educação, Universidade de São Paulo, 2008.

Natureza, espaço e tempo: dentro e fora da escola


* publicado no Livro: Brincar, Um Baú de Possibilidades, organizado por Renata Meirelles e Soraia Chung Saura



“Eu carrego um sertão dentro de mim,
e o mundo no qual vivo é também o sertão.
As aventuras não têm tempo, não têm princípio nem fim.”
João Guimarães Rosa


Ouvi em Minas Gerais que para conhecer uma pessoa de verdade é bom que se dê uma volta a cavalo junto com ela. Foi em uma cavalgada que conheci Cleiton Rafael da Silva, um jovem de 17 anos compenetrado e trabalhador, cuidador de cavalos. Andávamos por morros de campo de atitudes, serras gerais, víamos do alto o mundo inteiro e a parede da Serra de São José, uma beleza de dar nó na garganta. Montados, éramos mais altos ainda. No chão, os cachorros correndo pelos campos, perseguindo siriemas. Cleiton, calado e sério, vira falador quando insisto em perguntar sobre a sua sabença: os cavalos.
Tenho visto o menino trabalhar nas baias: trata dos bichos, sabe limpar os espaços, lavar cochos. Na hora da comida e da água, corta capim, pica capim, busca serragem. Deixa os freios todos em ordem, deixa o serviço todo organizado.
Agora, vejo-o montar com maestria, cavalga um bicho imenso, lindo marrom, conversa com ele, faz “doma”, treina e mostra como anda a passo, firme na sela, segurando com as pernas. Não apeia para abrir as porteiras.
Seu cavalo sapateia, anda para trás por força dos arreios, esturra e empina, gigante rodando sobre duas patas. O menino se concentra, acompanha o movimento, fala língua do bicho, zune chicote no ar. O cavalo empina mais alto ainda, mas por fim cede ante a coragem do menino e, assim, calmo e domado, ganha seus afagos.
Segundo ele, aprendeu com Adriano Trindade, o melhor montador daquela região, a lida no trato dos animais. Andava atrás dele desde menino, aprendendo olhando, cinco anos de idade e já doido atrás dos bichos. O moço teve paciência para ensinar, bravo e educado, calado e compenetrado, gostando das coisas corretas, que tivesse compromisso. Hoje, trabalha com ele: já sabe dar remédio aos cavalos, injeção, tratar garroutilha (gripe), puxar potro no cabresto, cortar crina e arrumar pêlo. Atualmente, aprende a ferrar, batendo cravos no casco dos animais. Em concurso, anda sempre com os cavalos mais bonitos e aprendeu a atentar no juiz. Diz que falta mais experiência para deixar bicho certo na rédea – parando, virando, recuando. Também para cuidar de égua mojando.
“Tenho ainda muito que aprender”, arremata.

A escola do menino
Fazia tempo não via tanta desenvoltura na relação do homem com a natureza. Obviamente pergunto da escola: “Não gosto, escola não é para mim. Termino o ensino médio porque sou teimoso”. Por que a escola não é para este menino sabido? Ele mesmo responde – porque é inquieto, difícil de parar sentado na cadeira. E de porquê em porquê vai relatando todo um universo nosso conhecido: porque repetiu a sexta série e ficou marcado pelos professores. Porque não o tratam com respeito, então não merecem o seu. Só tem afinidade mesmo com uma professora. Esta também que gosta muito dele. História ruim da escola é o que não falta no repertório do rapaz. De assédios velados, como a perseguição e a chantagem de alguns professores, até os escancarados, como quando foi obrigado a engolir uma bola de papel que jogavam, ele e os colegas, em uma aula de português. Detesta português. Assim, de história em história, chegamos ao nosso destino. Acaba a cavalgada.
Fiz questão de conhecer o colégio: sem novidade, igual a tantos outros: quadrado, com grades, e – por que não – feio. Sabemos que essa escola não é exceção: gostam de grades e cadeados, revelando, sobretudo sua não interação com a comunidade. Poderia ser bonita e singela como toda a cidade, mas não é. Por dentro, escura, cinza e gelada. Serviam a merenda, a quadra estava trancada e os meninos se espalhavam pelo pátio, parecia até que saíam para “banho de sol”. Nada da natureza lá fora. Só instituição. Pudera o menino não gostar daqui. Ninguém gostaria.
Cleiton já aprendeu, mas por força do vício gosto de enfatizar: a natureza influencia a vida dos homens desde o início dos mundos, mas a escola se esquece dela. Como fazer para lembrar-se? O que aprender da sabedoria do menino e de comunidades tradicionais, integradas à natureza? Por que o aprendizado que possuem de nada serve neste espaço? Aonde vamos assim?

Tempo ritmado, circular e afetuoso das festividades
As culturas populares e comunidades tradicionais mantêm uma relação periódica com a vida com a qual nos desacostumamos, civilizados e institucionalizados. Atuam com a intenção de complementar homem e natureza e não de separá-lo dela. Dessa maneira, o tempo discorre cíclico como as estações, redondo, com fluidez e ritmo. O tempo é marcado por pontos para onde iremos retornar mais velhos e sábios, com dores e alegrias, padecimentos e felicidades inerentes a todos os seres humanos.
Mais objetivos e racionais, aprendemos a medir o tempo cronologicamente. Assim, ele avança em linha reta, conduzindo-nos diretamente a um fim. Menos angustiante, o tempo cíclico nos dá a segurança do ritmo neste mundo dinâmico e móvel. A possibilidade de repetir o que já se foi é mágica. A possibilidade de estar melhor em um tempo vindouro também. A vista de um mundo que gira constante, quem partiu, quem ficou, quem chegou, quem cresceu, quem morreu, quem nasceu, são reflexões de humanidade. Como os ciclos da natureza, esses anos não possuem números, pois "o que se mede não são as coisas futuras ou passadas, mas sua espera e sua recordação” .
No hemisfério norte as estações do ano imprimem de certa forma esse ritmo aos homens, demarcando o tempo e sinalizando passagens. Estas são claras e óbvias: estamos no inverno sem sair de casa ou no outono postados contemplativos e bucólicos; na primavera, faceiros ou no verão, expansivos. No hemisfério dos trópicos quem nos auxilia nesse processo de passagens da vida são as nossas festas. As que se repetem todo ano, ano após ano. Talvez por essa razão nos coloquemos mais festivos na nossa existência do que nossos colegas do outro lado do planeta.
Assim, dar significado ao tempo, acomodando-o em nossas vidas, aconchegando e assimilando nossas passagens em celebrações e rituais, alinhando-nos com a natureza, é uma das razões para que as festas estejam presentes na humanidade, nos quatro cantos do planeta, das mais diferentes formas e sob os mais diferentes pretextos. Quem há de negar sua importância? Por que deixamos, objetivos e práticos, de reconhecer as festividades, por que abrimos mão de celebrações em detrimento de outras atividades? Por conta de que viveremos isolados, sem dar sentido ao tempo e sem celebrar a vida? E por que essas festividades comunitárias raramente estão presentes no espaço da escola?
Nas culturas tradicionais, fazer festa se configura como atividade imprescindível e necessária: é obrigação com a vida, conosco, com nossas famílias, com os santos. Tanta dedicação nos preparativos, tanta disposição para os festivais atestam a importância destas atiVIDAdes, em locais onde a obrigação não está dissociada do prazer, o homem não está separado da natureza e o tempo vai de braços dados com o espaço.
Meu amigo Marcelo Gabriades explica que os gregos descrevem este nosso tempo sob três perspectivas: Cronos, com o qual estamos tão habituados, é o tempo do acontecimento medido e classificado, não por ele mesmo, mas por medidas criadas para nos auxiliar: ele controla aos berros as horas, os minutos, os segundos, os dias etc. Duas outras dimensões do tempo já nomeadas então são corriqueiramente esquecidas por nós: Aion, o não-tempo, a eternidade, dimensão temporal própria dos deuses, presentes no espaço da realização do mito; e Kairós – o tempo do coração, ou o tempo do acontecimento em si. Esse tempo do acontecimento em si está presente entre os homens e constantemente nos intriga. Com freqüência nos surpreendemos, quando desenvolvemos atividades prazerosas: “Já se passou uma hora? Já? A dança já acabou?” Nós nos desconcertamos com nossas medidas, porque Kairós tem esse espaço amoroso e afetivo, só dele. Esse tempo do acontecimento em si é mais latente nas crianças ou em quem não possui o cronômetro tão internalizado. Será mesmo que a aula de artes deve acabar em 50 minutos? Será poderíamos vez ou outra ser um pouco concessivos com Kairós e um pouco menos escravos de Cronos?
Terreiros redondos e integrados
Estando o tempo simbólico gerado no interior dos festivais lado a lado com o espaço simbólico, o local dos acontecimentos e de nossas passagens não poderia ser de outra forma: redondos como esse tempo integrado. Também muito coloridos, pois as cores traduzem movimento e animação. Assim se “armam” terreiros que no ano inteiro, Brasil afora, celebram os ciclos, esta e outras existências.
Poderemos nos postar no mundo redondos e coloridos, ou insistimos nos quadrados e cinzas?
Novas bandeirolas sinalizam que o tempo de brincar começou, acabou, que mais um ano se passou, ou que tudo se reiniciou. Como crianças solicitando sempre a mesma história, de novo, de novo e de novo, nos imbuímos de festa para transformar um percurso atarefado e sem significado em tranqüilidade, ritmo e sentido. Assim, os terreiros e quintais, espaços das celebrações, são círculos que sugerem sempre uma repetição. Decorados todo ano, para formá-los basta apenas um pouco de vontade e disposição para o trabalho coletivo. E, claro, constância e reconhecimento de sua importância na vida das pessoas. Esse reconhecimento se traduz não em palavras, mas em gestos: está no fazer e não no verbo – enfeitar, costurar, propor soluções criativas, planejar o cenário de nossas celebrações, aprender. Pensa-se no outro: no conforto e alegria dos participantes, dos visitantes. Pensa-se em deixá-la bonita, beleza alegórica, colorida e lúdica. Pensa-se em seus bons alimentos, boas músicas, para que sensibilize os sentidos e comova o coração das pessoas. Uma gama de variedade e possibilidades de criação. Uma das organizadoras de uma festa de rua, Graça Reis sinaliza este cuidado:

“Eu gosto de caprichar, fazer bem-feito, o alimento é a alma de tudo. As pessoas bem alimentadas ficam felizes. Me esforço nessa coisa do alimento da festa. Tenho cuidado, gosto de cozinhar. É muito bom receber. Fico feliz vendo as pessoas dizerem que comida gostosa, que festa bonita, fui bem recebido por todos, as meninas estão felizes, recebem sorrindo. O cuidado, o capricho. A comida, a pessoa de barriga cheia está feliz. Vai lá na sedinha comer alguma coisa. É bom poder falar isso. Não digo que a gente fica paparicando os nossos convidados, que a gente nem tem esse tempo. Mas tratamos todos bem.” [Depoimento de Graça Reis.]

Os cheiros que emanam das festas vêem da cozinha, das panelas do fogão, dos defumadores e incensos, das flores decorativas, estes que constituem a porta da intimidade originária dos vapores femininos, do farfalhar constante de saias floridas, incansáveis no trabalho de transformar a praça em ambiente acolhedor para todos que se dispuserem a estar presentes. O “gesto alimentar e o mito da comunhão alimentar” estão no compartilhar o alimento e no servir os convidados. “Cheiro pingado, respingado, risonho, cheiro de alegriazinha.”
Além de todas essas possibilidades intrincadas, dentro desse espaço constroem-se referências simbólico-espaciais como altares (para São João, por exemplo) que costumam ser o ponto culminante desses cenários, ricamente ornamentados, postados em lugares especiais, especialíssimos, nem mais para cá, nem mais para lá, entenda-se bem: tem seu lugar exato que se repete todo ano. Torna-se assim mais uma referência para o espaço do acontecimento, para as danças, para a fogueira e para onde nossos desejos e votos se direcionam. Simbolicamente é construído como uma “gruta, cripta, abóbada, colo onde se reconcebe Deus”. Canto seguro, depositário de esperanças, velas e promessas. Aconchego, de onde toda beleza emana. Contém em si a representação da duplicidade do olhar: é o local privilegiado de onde os santos assistem a toda a brincadeira; e é para lá que todos os olhares e esperanças se voltam. “O altar a gente sempre quer mais bonito, mais e mais. É para colocar o santo, estar em um lugar bem lindo, naquele cantinho de onde São João pode olhar para todo mundo feliz porque está todo mundo arrumado, porque está tudo muito bonito, colorido, cheio de vela, de renda, de flores, todo mundo olhando, feliz.” [Depoimento de Graça Reis.]
De fato, este é sempre mais bonito que o anterior, mas aprendemos: nunca do próximo que virá. Ampliamos o sentido desse espaço, antes mera praça, pequena rotatória, quadra de escola. Festa armada, pedimos licença para entrar, para passar, para fazer a festa, e em espaços sagrados nos curvamos inteiros nessa entrada invisível, encostamos mão ou cabeça no chão e pedimos: “Dá licença?” Transformamos esse chão em algo passível de ser venerado, nossa pertença a um todo maior.
Universitas
Ao contrário do que se pensa, as festas populares são passíveis de serem replicadas mesmo onde ninguém nunca tenha tido referência das mesmas, como nos mostram algumas dessas manifestações recriadas em São Paulo, em espaços de rua ou em algumas escolas . Universitas, do latim, significando círculo cujo centro está em toda parte – assim são nossos terreiros. Com estrutura arquetipal profunda, dialogando com o humano, sua memória e ancestralidade, permitem infinitos matizes, todos eles expressões do dinamismo inerente aos folguedos. Sob muitas e infinitas formas espalham-se pelo mundo. Mais ou menos sagrados, com mais ou menos rituais embutidos, a promoção de espaços, tempo e ações que se tornem significativos, seja em pequenas comunidades no interior, seja em grandes centros urbanos, dentro dos limites dos muros escolares ou fora deles, o mundo pode sempre se cobrir de papéis laminados e fitas de crepom. Concluo: a escola pode ser encantadora. Tantas o são, e por que não a maioria?
Na preparação destes espaços para a celebração, nenhum ensinamento se faz trivial. Um conhecimento que é patrimônio de todos. Tempo e espaço são confortantes, a festa depois de trabalho — muito trabalho — bem feito. Quem nunca se postou fascinado diante de arraial montado, com fogueiras e bandeirinhas tremulantes, debaixo de céu estrelado e não sentiu a integração com a comunidade planetária?
Em um mundo onde a artificialização da relação com a natureza tem se feito tão presente, o reconhecimento das festas passa também pelo reconhecimento do saber das comunidades tradicionais, extrativistas e artesanais. Sua integração com o meio está inerente nas celebrações, valorização da vida e respeito ao planeta. Muito mais do que discursar sobre estes assuntos, vivenciar as festas fazem ponte direta, na experiência, para estas reflexões.
A última vez que encontrei Cleiton, estava inquieto, o menino. Eu queria montar a cavalo, mas ele não, um tal de guardar sela, soltar os bichos no pasto, ajeitar tudo e ir para a “Quadrinha”, festa da igreja de Nossa Senhora de Fátima, em arraial distante que reuniria vaqueiros e gente das rocinhas da região, missa e forró.
Mal me deixou dar uma volta, tão ansioso estava. Mais tarde vejo-o passando montado, todo aprumado em cima de cavalo bonito, calça, camisa, chapéu e alegria, indo para a festa. Ficou um rastro de poeira dourada no ar e a esperança de que um dia, quem sabe, todos os meninos freqüentem a escola com esse mesmo empenho, capricho e felicidade estampada.


Referência Bibliográfica:
- BACHELARD, Gaston. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes. 1988.
DURAND, Gilbert. 2002. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. São Paulo. Martins Fontes.
- FERREIRA SANTOS, Marcos. Crepusculário. São Paulo: editora Zouk. 2004.
GUIMARÃES ROSA, João. 2001. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. Pág. 31.
- SAURA, Soraia Chung. Planeta de Boieiros: culturas populares e educação de sensibilidade no imaginário do Bumba-meu-boi. Tese de doutorado em Educação, Universidade de São Paulo, 2008.

O Selo Aqui se Brinca

* Publicado em Brincar, um Baú de Possibilidades - org. Renata Meirelles e Soraia Saura


Projetos e projetos

Dentre os projetos sócio-educativos, os de contato direto com os beneficiários são essencialmente diversos dos projetos de difusão. No primeiro caso, tem-se bem delimitado o público alvo: estão no fazer conjunto, dentro da sala de aula, na igreja
comunitária, sentados em roda debaixo da árvore. Senhores e senhoras de comunidades, jovens em grupos de amigos, professores do Brasil: todos dispostos a agir coletivamente. As ações culminam em formações dinâmicas e alegres, faz-se de um tudo para que sejam profundas e vivencialmente significativas. Encontros para elaboração de documentos, discussões de direitos: não basta tê-los, deve-se conhecê-los. São construídas assim estratégias de acesso à justiça, à educação e invariavelmente, chega-se a resultados concretos: a documentação, o comprometimento dos envolvidos, os acordos coletivos, a negociação com parceiros. Os depoimentos são sempre comoventes no final. Considero estes projetos um jeito maravilhosoideológico-
concreto de se trabalhar com a educação.
O segundo caso, o de projetos de difusão, revela-se sobremaneira desafiador pois o público-alvo é amplo e disperso. A primeira questão é pensar em como efetivamente aproximar-se dos beneficiários, de maneira mais ou menos uniforme.

A criação de um Selo

O Projeto Selo Aqui se Brinca está entre estes, voltado para a difusão de uma idéia: a importância do Brincar em espaços escolares, visando garantir um direito fundamental à infância. São várias as ações que podem formar um projeto de difusão:
seminários, exposições, festivais, eventos abertos – estes que podem atingir incontáveis pessoas, espalhando-se pelo mundo. No caso do Selo Aqui se Brinca, optamos por um reconhecimento de boas práticas do brincar. Embora amplo, o perfil do público que gostaríamos de dialogar foi desenhado da seguinte maneira:
• Escolas (porque é onde as crianças permanecem efetivamente pelo menos metade do dia, porque em pesquisa anterior, os pais declararam acreditar que a escola é um dos lugares onde a criança mais brinca),
• que fossem do ensino infantil e do ciclo fundamental I (porque consideramos o conceito de infância de 0 aos 11 anos, sendo importante garantir a prática do Brincar até pelo menos esta faixa etária),
• sediadas no Estado de São Paulo (que concentra 48% da população brasileira, para um monitoramento mais próximo da iniciativa),
• públicas e privadas (porque o Brincar que acreditamos independe de recursos financeiros, mas depende de recursos humanos).
Assim foi que as escolas realizaram inscrições on line, preenchendo um questionário diagnóstico e todas as que atenderam aos critérios elaborados receberam o Selo Aqui se Brinca. Estes critérios versaram sobre a forma de utilização e a adequação do espaço físico; recursos e soluções criativas para o Brincar; a concretização de projetos e propostas envolvendo o lúdico de modo
transversal; e finalmente, a formação dos professores. Uma Comissão de Especialistas envolvidos com a temática e a educação – Professores Adriana Friedman, Lourdes Atie,
Marcos Ferreira Santos e Marilena Flores – foram os selecionadores finais das melhores práticas. Um evento emocionante aconteceu em setembro de 2008 para a entrega dos certificados de reconhecimento. As escolas e suas equipes, com luzes sobre suas vivências cotidianas, estiveram radiantes. Ser protagonista de suas ações, ter seu trabalho reconhecido é desejo de muitos milhões de professores e
o Selo Aqui se Brinca oportunizou isso de maneira ampla.

O piloto

Consideramos o primeiro ano do Selo Aqui se Brinca um projeto bem sucedido, mas um piloto para seu aprimoramento nos anos consecutivos. Em um curto período de inscrições, com a divulgação realizada via mailing eletrônico e mediante parceiros, tivemos 477 escolas inscritas de 98 cidades do Estado de São Paulo, mostrando como a questão do Brincar tem sido levada em conta dentro dos espaços escolares.
Dentre as escolas inscritas, 33% estão na cidade de São Paulo. Embora seja perceptível que as crianças da cidade tenham a infância comprometida com afazeres e responsabilidades que muitas vezes não são próprios de sua idade, dentre outras situações comprometedoras da infância (confinamento ou ausência de opções de lazer, por exemplo), o questionário respondido pelas escolas deixou claro que o conceito do brincar é diverso dentre as várias instituições escolares. Há uma variedade de modos de brincar: o brincar que considera a aprendizagem de conteúdos, o brincar dirigido e o livre. Há formas diferentes de se incentivar este brincar e atividades lúdicas
paralelas também puderam ser consideradas.
É fato que criança que é criança brinca. Esta é a sua essência, a sua humanidade e mesmo em condições extremamente adversas, as crianças seguem brincando.1
Lendo com atenção os questionários preenchidos, observando todos os materiais enviados (fotos e filmes) e tabulando as questões, pudemos identificar como anda a visão do brincar nos espaços escolares, no universo das escolas inscritas.

O conceito
Trabalhamos pela causa do Brincar incansavelmente ao longo do ano. Acreditamos que ele efetivamente ande de braços dados com a educação. Mas de que brincar estamos falando?
Participar de uma brincadeira é, para crianças e adultos, ao contrário da idéia do entretenimento e diversão inconseqüente e sem maiores danos, algo profundo, transformador, transgressor e formador da natureza humana. Em muitas manifestações das culturas populares o termo “brincadeira” sugere o estado de alegria e satisfação que toma conta dos envolvidos, mas que configura-se como trabalho, em uma lógica que não dissocia o prazer da obrigação.
Assim, enquanto brinca, o ser humano elabora questões profundas referentes à sua individualidade e humanidade. Em toda brincadeira há movimentação corporal – mesmo que os movimentos sejam contidos e internos. Minha amiga Renata Meirelles, que há anos investiga o brincar arrancando os sapatos e sentando no chão com as crianças em qualquer lugar onde estejamos, tornou-se uma especialista na área e chama atenção, incansavelmente, para que se observe como as crianças brincam, sob pena de nos afastarmos demais da realidade infantil e mergulharmos em uma teoria distante do
universo dos pequenos. De fato, todos os dias, ao observar e participar de brincadeiras – de crianças e também de adultos, em uma interlocução e vivência com agentes das culturas populares – observamos como os gestos brincantes estão repletos
de movimentos sagrados, arquetípicos e ritualísticos.
Enquanto brincam, realizam um importante exercício de ancestralidade por meio da produção simbólica de imagens. Movimentam-se corporalmente, em uma anima-AÇÃO2 que as leva não apenas ao lugar comum do divertimento e do lúdico, mas a outros tipos de exercícios míticos: o Brincar é também deflagrador de desafios, de situações de enfrentamento, de exercícios de agressividade e potência, de comando e obediência, distanciamento e aproximação. Nem sempre ele é afetuoso e repleto de gargalhadas. Há muita seriedade no brincar. Concentração e experimentação, sendo nada mais do que a manifestação natural e espontânea da nossa corporeidade.
Sozinhas ou em grupos – e aqui a diversidade é tão fundamental quanto à liberdade – as crianças repetem as mesmas brincadeiras, através de tempos imemoriais e de forma incansável.
Com permissividade e tempo entretêm-se por horas a desenhar mandalas no chão, com flores e pedras, areia e conchas. Movimento e beleza, revelando-se “como o arquétipo fundamental da vitória cíclica e ordenada, da lei triunfante sobre a aparência aberrante e movimentada do devir”. (Durand, 2002: 328) Os círculos (como já disse Bachelard, a felicidade é redonda) que se formam e se desmancham no desenrolar de coreografias circulares, sejam elas desenhadas no chão, nas folhas de papel, ou com o corpo em cirandas “remetendo a movimentos rítmicos e cíclicos da sucção ou do coito. São formas específicas de simbolização dinâmica que organizam o real, pois são expressões de nosso relacionamento com o mundo e com o outro, numa imagem arquetipal ancorada no próprio corpo”. (Ferreira Santos, 2004: 33) Em movimento, pois a “a roda do tempo é uma coreografia”.(Durand, 2002: 336) reproduzem no chão o movimento dos astros no céu, pó de estrelas que somos, girando e rodando
em uma dança labiríntica. Já outros movimentos revelam impulsos ascensionais como as que lançam os meninos às alturas, galgando árvores e trepatrepas, movimentando pipas nos ares, lançando aviões de papel. Há impulsos digestivos como os de preencher potinhos e garrafinhas, montar cabanas ou rolar no chão como um caracol, todos voltados para dentro de si mesmos. A partir desta produção de imagens em movimento, são construídas narrativas simbólicas constitutivas da infância onde é fundamental o espaço da criação. Assim as crianças modificam o ambiente, exploram e reorganizam os espaços, especializam-se naquilo que têm necessidade, produzindo cenas imagéticas de impacto simbólico, poéticas, dentro deste jogo que pode assim, perdurar incansavelmente por horas a fio, em experiências numinosas 3. A produção destas narrativas é diferenciada se o brincar é restrito apenas a um espaço ou amplia-
se para diversos ambientes da escola.
Os conteúdos vivenciais, imagéticos – poéticos e míticos muitas vezes ultrapassam inclusive o entendimento do próprio indivíduo que está atuando, ingenuamente brincando. É o nosso corpo então, a serviço destas imagens, estas que já estão inscritas nele e que despertam, mesmo que o brincante ainda não tome consciência ampla deste viver corpóreo: sou um guerreiro de terras distantes, uma princesa adormecida, um vaqueiro em um cavalo. “O imaginário está muito mais perto e muito mais longe do atual: mais perto, porque é o diagrama de sua vida em meu corpo, sua polpa ou seu avesso carnal pela primeira vez exposto aos olhares.” (Merleau Ponty, 2004: 19) Um exercício aparentemente simples e ingênuo, um faz de conta, brincar porque é belo, porque é divertido, porque produz um prazer estético, um sentido, que não sabemos exatamente qual é. Deste pequeno início, passamos a outro mais profundo: o brincar representando, que vai operando em nós a atualização vivencial das imagens ancestrais e míticas. E, assim chegando ao que Bachelard identificou como adentrar no recôndito território do espaço poético da imagem, onde
“é necessário estar presente, presente à imagem no minuto da imagem”. (Bachelard, 2000, p.1) Um momento em que estamos inteiros na construção simbólica, território facilmente acessado pelas crianças. “A fenomenologia nos pede exatamente para
assumirmos nós próprios sem crítica, com entusiasmo, essa imagem.” (Bachelard, 2000, p. 175) Este entregar-se à imagem poética sem reservas não é linear. Acontece de diferentes formas e sobre diferentes aspectos. É um mergulho de autoconhecimento e exercícios de construção de narrativas míticas corporais, em torno de si mesmo, dos
elementos que formam o ambiente, com o que nos oferecem os professores e em conjunto com outros. Temos, na nossa escola, a possibilidade de “Brincar” com crianças de diferentes faixas etárias? Temos a possibilidade de Brincar livremente, mas com
a atenção e observação dos professores para o que belamente produzimos enquanto brincamos?
Esta “produção” implica, além disso e necessariamente, a capacidade de criar, de gerar, de fazer surgir novas existências e situações. São narrativas construídas, importantes e constitutivas da infância. Por isso os objetos “prontos” (brinquedos estruturados) são infinitamente de menor valia para este brincar do que os objetos ditos não estruturados: oferecem menor possibilidade de movimento, de produção e de criação. O ápice desta vivência é o ponto no qual o acontecimento de
“fazer de conta” brincando, exercitando e jogando com entusiasmo (repetindo imagens ancestrais e arquetípicas e ao mesmo tempo criando), se expande e nos dirige ao êxtase, à transformação e fusão de nós mesmos com a situação que vivenciamos. É quando percebemos como toda a realidade é imaginada, pois que não existe realidade que não passe pelo nível simbólico. Para atingir o cume desta vivência, há uma permissividade saudável para que se circule entre diversas possibilidades, há oferta de espaço, de materiais, há tempo, mas não há descaso, há atenção, espera, amadurecimento, solidificação, com liberdade. Há respeito pela história de vida individual de cada um, e isso equivale ao reconhecimento de seus aprendizados anteriores e aos saberes das comunidades onde estão inseridos. Há respeito pelas necessidades infantis, subsídio para a repetição de gestos e o grande encontro no Brincar, muitas vezes é apontado como “acaso”, “descoberta”, sendo na verdade construção e conquista, frustração e experimentação.

A análise

Em sua primeira edição, o Selo pretendeu, além de difundir o Brincar e estimulá-lo, mapear o que estava sendo pautado em relação ao tema entre as escolas que participaram da seleção.
Os pontos que seguem foram identificados como deficitários, a partir da análise das escolas inscritas em 2008:
1) Tempo disponibilizado para o Brincar-
Visto como atividade de entretenimento, o tempo disponível para que a criança exerça o Brincar de forma livre e autônoma na escola, é evidentemente restrito. Dentre as escolas inscritas no Selo Aqui se Brinca, o tempo médio de recreio é de 1,2horas semanais: uma média de 15 minutos diária.
Assim, pudemos inferir que:
• O tempo de recreio e o Brincar, não são assumidos pela escola como espaço educador de grande potencial para o desenvolvimento pessoal e social dos alunos.
• As escolas e consequentemente as crianças, têm sofrido pressões externas para que o aprendizado de conteúdos curriculares se desenvolva cada vez mais cedo.
• Neste contexto, o que mais se revela comprometido, segundo dados do Selo 2008, é o tempo disponível para o Brincar.
Sendo a escola, na sociedade contemporânea, o principal local de trocas entre as crianças, onde elas passam grande parte do dia e efetivamente estruturam relacionamentos para além do espaço familiar, o Selo Aqui se Brinca 2009 intensificará esta reflexão.
2) Espaços disponibilizados para o Brincar
– Principalmente por conta da demanda deficitária existente em relação à creches e serviços de atendimento integral à crianças do ensino infantil no Estado de São Paulo4, o Selo Aqui se Brinca identificou estabelecimentos, em sua maioria de caráter privado, que atendem crianças de 0 a 6 anos. 5 Estas instituições não estão estruturadas de forma a acolher crianças nesta faixa etária, tendo sido identificados situações onde não há espaço disponível para o pleno desenvolvimento
infantil. Ausência de elementos da natureza, artificialismo e confinamento foram situações detectadas entre as escolas. Neste sentido, o Selo Aqui se Brinca edição 2009 propõe reconhecer os espaços disponíveis para o Brincar livre, estimulando
o aproveitamento de áreas verdes e o contato com a natureza.
3) Materiais existentes nas escolas para o Brincar
– Materiais não estruturados foram citados em número significativamente menor em relação aos brinquedos simbólicos e pedagógicos.6
Outro ponto evidente: a qualidade do Brincar atrelada à quantidade de brinquedos existentes, em uma super valorização do brinquedo estruturado. Assim, com freqüência, como evidência do Brincar, as escolas enviaram imagens de grande quantidade de brinquedos de plástico. Assim, o Selo Aqui se Brinca 2009 continuará a incentivar o uso de materiais não estruturados, na contra-corrente do consumo excessivo de brinquedos.
4) Propostas com relação ao Brincar
– no que se refere ao brincar desenvolvido, foram identificados dois aspectos principais:
• Brincar totalmente livre, inclusive com a ausência de mediação de educadores.
• Brincar dirigido.
• Valorizada pelo Selo Aqui se Brinca, situações onde o brincar= livre acontece em conjunção com propostas apresentadas pelos educadores aparecem em baixo número.
Entre as escolas inscritas:
• Poucas as que promovem um brincar entre diferentes faixas etárias.
• Atividades como artes, dança, música, deflagradoras de um desenvolvimento lúdico, foram citados em número menor.
Assim, em 2009 o Selo Aqui se Brinca pretende evidenciar um brincar propositivo, mediado por educadores, que transite com liberdade, sem descaso.
5) Compreensão do Brincar como importante e constitutivo da formação dascrianças – As instituições escolares têm reconhecido a importância do Brincar dentro de seus espaços de atuação. Porém, o que se identifica como deficitário é o parâmetro do
que seria importante e significativo para as crianças em relação
à temática: como brincar?
As escolas revelam real interesse sobre o tema, o que torna o diálogo entre a ação da marca, o Instituto Sidarta e as escolas, pertinente e necessário.
6) A importância do Brincar para crianças do ensino fundamental
– Demonstram menor interesse na temática do Brincar escolas que atuam com ensino Fundamental I, com crianças da faixa etária entre 7 e 11 anos de idade. 7 Embora professores concebam e acreditem na importância do Brincar, poucos efetivamente se valem do lúdico na sala de aula e/ou espaços escolares. Por conta da pressão por resultados, as crianças de mais de 7 anos têm reduzida garantia do tempo e do espaço do Brincar nas escolas. Por sugestão da Comissão Especialista, o Selo Aqui se Brinca irá avaliar e reconhecer, separadamente, o ensino infantil e o ensino fundamental, incentivando o Brincar nas escolas voltado também para esta faixa etária.
7) O relacionamento escola /comunidade
– Ao serem questionadas a respeito das atividades que valorizam a cultura local:
• 14% das escolas participantes do Selo declararam que realizam festas juninas.
• 8% das escolas responderam que participam de atividades cívicas (Dia da Independência, Aniversário da Cidade, etc).
• Para outros 8% levar os alunos a cinemas, teatros e museus valorizam a cultura da comunidade.
• Nesta questão, foi grande a incidência de respostas em branco.
Assim é que o reconhecimento, pelas escolas, das comunidades onde estão inseridas foi pouco ou nada mencionado no Selo Aqui se Brinca – edição 2008. Mais do que isso, a própria cultura do aluno e o que é constitutivo de sua formação não
está em pauta na formação escolar. O reconhecimento de práticas trazidas pelos alunos e a interação escola/comunidade é necessária para favorecer a integração de valores locais e do meio ambiente em que está situada.
8) Formação de professores
– Poucas ações específicas foram identificadas em relação à formação dos professores
abordando especificamente a temática. Identificou-se a ausência de materiais formativos, bem como de formações específicas sobre o tema nas Instituições Escolares. A questão do brincar, quando aparece, está diluída em atividades que a consideram um meio para o aprendizado, mas não um fim em si mesma.

Conclusão

Assumir este Brincar em um ambiente institucional como a escola, tão voltada para produtos e resultados, é um grande enfrentamento nos dias de hoje, porque cada vez mais as equipes são solicitadas a demonstrar o que ensinam e como ensinam, oferecendo uma diversidade de atividades. Assumir o brincar como um fim em si e a criança como sujeito de sua aprendizagem é desafiador para as escolas, que sofrem pressões externas para a “eficiência”. Algumas, reconhecidas pelo Selo Aqui se Brinca de 2008, lembram-se que é na “simplicidade dos gestos infantis” que encontramos conteúdos profundos e verdadeiramente humanos.
Ao contrário de projetos de formação, onde nos encontramos com freqüência, foram meses de trabalho antes de efetivamente estarmos frente a frente com as escolas. Todos os processos seletivos foram cuidadosamente trabalhados com afinco pela equipe do Instituto Sidarta, dentro do escritório, no computador e entre caixas de envelopes. As escolas que receberam o Selo, 88 delas no evento final, estiveram ali por merecimento. Nos presentearam com imagens de crianças concentradas no seu Brincar, inseridas em espaços amplos, onde se via como em grupos, se organizavam livremente em torno de propostas bem elaboradas. Muitas vezes o professor não aparecia, mas era possível intuir a sua presença cuidadosa por detrás
da cena inteira. Em 2008 o Selo Aqui se Brinca foi de escuta.
Consideramos fundamental prestar atenção ao que as escolas nos diziam em relação ao seu brincar. Já em 2009, à luz das escolas reconhecidas e de suas práticas, fortalece-se e fornece diretrizes mais claras deste Brincar que tanto desejamos difundir, em favor e pelas crianças.

NOTAS
1 Atuando junto à Associação Cheiro de Capim, entidade que cuida de meninos de rua, na rua, vemos como as crianças brincam correndo pela Praça da Sé e pelo Vale do Anhangabaú, apesar de sua condição de altíssima vulnerabilidade.
2 De anima: sensível ao movimento, que possui vida, ação, entusiasmo, inquietação.
3 A palavra vem do latim numen: divindade. De fato, os momentos de criação são associados à aproximação do homem com o sagrado.
4 Segundo dados oficiais do Ministério da Educação, a taxa de atendimento de crianças de zero a 3 anos, em 2007, é de apenas 15,52%. Enquanto isso, em junho de 2008, havia 110.091 crianças cadastradas junto à administração municipal à espera de vagas em creches. É importante lembrar que o PNE determina que, a partir de 2006, o atendimento deveria alcançar, no mínimo “30% da população de até 3 anos de idade”, chegando ao final de sua vigência, em 2011, ao patamar mínimo de 50%. (dados do Movimento Creche para Todos)
5 70% das escolas privadas inscritas no Selo Aqui se Brinca são de pequeno porte (33% até 50 alunos e 37% entre 50 e 100 alunos), contra 60% de escolas públicas inscritas de médio porte (entre 100 e 500 alunos).
6 91% das escolas declararam disponibilizar de jogos pedagógicos, 89% declararam disponibilizar brinquedos simbólicos contra 9% que citaram o uso de tábuas e 27% o uso de mangueiras.
7 Apenas 30% das escolas inscritas no Selo 2008 atuam com o Ensino Fundamental.

9 de dezembro de 2009

O caderninho fica rodando na bolsa, coitado, velho e sujo antes do tempo. É um caderno infinito como os outros, cheio de medos e receios. Estes medos impossíveis, todos e tantos, complexos e sem ordem cronológica, totalmente ilógicos. De vez em quando me lembro muito, muito dela e daquela mania que ela tinha de fazer talhos simétricos na pele. Penso no meu pai e tenho vontade de fazer um talho grande e comprido no braço direito, do começo do ombro até embaixo, no pulso. Um veio por onde a dor poderia sair em um filete vermelho. Ela quando sofria fazia esses cortes pequenos, simétricos, sempre escondidos. Eu sempre descobria. No calcanhar, onde cobre a meia. Debaixo da alça da camiseta regata. No cós da calça, bem na cintura. Pequenos, discretos, organizando algum caos interno. Eu tinha vontade de bater cabeça na parede então, bem forte. Tanto desdobramento, não adiantava nada.

Tem uma nuvem de garoa. Crianças, para dentro. Vamos fazer uma cabana gigante.

Fico cansada porque minha preocupação atinge níveis elevados de consciência. Sei que não há como protege-los da dor e ainda assim me pego criando estratégias para tal. Falta de gestão do tempo, isso é o que é.

A outra trabalha duro construindo casas, cantos, coisas.

O clima aqui anda bem feio, não pára de chover e demitem as pessoas aos montes. Quem sabe no ano que vem você não volta? Quem sabe eu é que não vou? Há algumas confraternizações e algumas pendências, no geral gostaria de ficar quieta na sombra, invisível, descansando. Estou tão envolvida com os dois pólos afetivos atuais que o resto atrapalha minha vista. Uma dose de frustração e outra de impotência, duas de amor, duas de alegria dividida em dois. Recebi uns VDs na internet, abri um, detestei, me senti ofendida. Porque? Talvez porque eu esteja na escola. Talvez porque eu não seja mesmo esse todo coerente que pretendia ser um dia. Já desisti dessa empreitada.

Nessa história não tem mãe.

4 de novembro de 2009

1 de setembro de 2009

COMO FAZER BOLHAS GIGANTES


a mais nova e profunda pesquisa, realizada com a Amelie Poulan Amanda e com uma dúzia de crianças:
- 1 copo de detergente bem concentrado
- 7 copos de água quente
- 1 colher de fermento
- 1 kg de disposição para testes, experimentos e investigações

24 de junho de 2009

10 de maio de 2009

A Princesa Kim para crianças




A princesa Kim nasceu na Coréia do Norte. Mas naquela época a Córeia do Sul e do Norte eram apenas um só país, a Coréia.



A princesa Kim era filha da dinastia Duck Kim. Outrora um cálido reino montanhoso, na época do nascimento da princesa estava um tanto quanto devastado: os japoneses haviam dominado todo o território daquela dinastia e de todas as outras do país.


Os pais da princesa observavam com esperança todo o seu reino. Da janela de sua casa grande, rodeada de cerejeiras, esperavam que os japoneses fossem embora e que tudo voltasse a ser como antes para seu povo. Estes japoneses, invasores e colonizadores, ficaram conhecidos por sua intolerância pois eram ferrenhos, impositivos e violentos – não era permitido falar coreano, ninguém podia se chamar pelos nomes que haviam lhe sido dados, apenas por nomes japoneses; e todas as manifestações de sua cultura foram expressamente proibidas. Tudo o que se referia à Coréia foi queimado. Por isso ainda hoje os pesquisadores encontram muita dificuldade para descobrir a história deste país, que vem sendo resgatada e construída lentamente. Os pais da princesa contavam a ela, no entanto, de noite e no escuro, histórias de seus mitos, para que ela nunca se esquecesse de como surgiram as montanhas, os rios, as cerejeiras e tudo o mais naquela terra serena, bela e farta.


Fazia muito frio em algumas épocas do ano, e como não havia aquecimento, as casas eram construídas com as pedras das montanhas. Por baixo destas pedras, as pessoas colocavam brasas acesas, assim, a casa ficava aquecida durante o inverno e as crianças corriam descalças sobre um chão morno.


Quando moça, essa princesa conheceu um rapaz, também ele coreano, que acabava de voltar dos estudos da Manchúria, na China. Ele falava russo, chinês, japonês e coreano e era muito, muito inteligente além de bonito. Apesar de não ser rico como convinha a princesa Kim, ele era um pretendente que se aventurava a cruzar os sete portões para chegar até a princesa. Assim foi que ela se apixonou também por sua coragem.


A princesa sofreu duras penas por ter se apaixonado por um plebeu. Por fim, não houve remédio para este amor a não ser viver com ele. Era um amor muito bonito, que comoveu todo o povo, até que por fim comoveu também aos pais da princesa, que acabaram por consentir com o casamento. Esta história com final feliz foi recontada através dos tempos e dizem que quem visita hoje a Coréia pode assistir a um musical famoso apresentado para turistas, contando a história deste casal.


Os dois, apaixonados, foram morar mais ao sul do país, mais perto do mar e mais longe da dinastia Kim Duck, provisoriamente, porque o marido da princesa queria trabalhar neste lugar.
Nesta época, os japoneses perderam uma guerra com os Estados Unidos. Esta guerra foi uma das mais tristes da história da humanidade. Como perderam a guerra, perderam também seus territórios conquistados. A Coréia foi então dividida entre a Coréia do Sul e a Coréia do Norte. A Coréia do Sul, onde estavam a princesa Kim e seu marido, passou a pertencer aos Estados Unidos e a Coréia do Norte, onde a dinastia Kim Duck e todo seu povo estava, passou a pertencer à Rússia. Como os Estados Unidos e a Rússia eram dois países que na época brigavam muito, eles levantaram um muro bem grande para separar as duas Coréias. E criaram uma lei que nenhuma pessoa de lá podia vir para cá e vice versa. O muro existe até hoje e a princesa nunca mais conseguiu ver a sua família. Mas essa história triste não aconteceu apenas com ela, mas com todo o povo coreano que havia ido viver próximo ao mar, onde era mais quente e não haviam tantas cerejas, mas muitos peixes.


A princesa teve 4 lindas filhas e um filho. Nomeou todas as filhas com o posfixo Hee após o nome de cada uma delas. Hee significa princesa em coreano, ou uma grande mulher. Assim, todos poderiam saber que aquelas meninas eram filhas da princesa Kim.


Mas a vida deles ficou muito difícil longe da família. Também os coreanos, influenciados pelos americanos e pelos russos, passaram a brigar entre eles, coisa que nunca tinha acontecido antes, por serem um povo muito pacífico. Veio a guerra entre a Coréia do Sul e a Coréia do Norte e foram tempos muito difíceis, pois havia muita falta de alimento. Assim foi que a princesa Kim vendeu suas jóias, vestidos e rolos de pura seda, para comprar alimentos que ela dividia com as outras famílias, para que alimentassem também seus filhos. Ela sempre dizia que uma princesa mostra que é princesa principalmente em épocas difíceis, que sempre acontecem, mesmo com uma princesa.


Depois de alguns anos esta guerra terminou, mas deixou o país feio e triste, houveram muitas vítimas. E a princesa Kim trabalhou bastante em um hospital, ajudando a cuidar dos feridos.
Tempos depois, ela e seu marido tiveram a oportunidade, junto com outras famílias nobres, de irem viver em um país novo, que diziam que era quente, que não conhecia a guerra e com muitas pessoas alegres como eles.


Foi assim que vieram para o Brasil, sendo eles um dos primeiros imigrantes coreanos no país. Cuidaram de seus filhos que cresceram, casaram-se com brasileiros e tiveram netos e foram muito, muito felizes, porque sua família ficou grande, trabalhadora e próspera, com pessoas do bem que sempre muito honraram o bonito passado da dinastia Kim Duck.


A princesa Kim morreu bem velhinha e nunca esteve doente: escolheu ir embora para ficar com seu marido, que havia morrido bem pouco antes. Assim que foi princesa até na hora de sua morte.

FIM




3 de fevereiro de 2009

7 de janeiro de 2009

A minha comadre Beatriz Buhler tirou esta foto para que a gente não esqueça nunca que o Pedroca já nasceu nadando.

Da varanda vejo

uma gordinha gostosinha

6 de janeiro de 2009